sábado, 30 de setembro de 2017

Chamada de volta


Chamada de volta
Cantos Urbanos I 


no meio de um inverno sem sol
palácio úmido em que me encontro
de natureza vazia, entre paredes e cimentos
com tantas conexões de fios uns sobre os outros
amontoando-se enorme confusão elétrica
jaz minha alma talvez levada, talvez ainda não
 – Eu ofereço tudo o que tenho, puxa vida

e os ventos sopram minhas roupas 
e as roupas dele
de sua arbitrariedade
então esvoaçam nossos cabelos
ele tenta ser sério, aqui estou e aqui ouço
na sacada
– Livros são uma pedra. Hoje em dia são pedras.

joguei a pedra

e a vida continua de todos os lados abraça
engolindo a morte todo o dia, a vida
pulsa e é bela, sim
mas haja vontade de enfrentar a rotina
com certeza nas redes está tudo bem
a política
ah! Isso está sempre mal,
o resto é pura felicidade
menos a política
qualquer uma
e a África –


que se explodam em bombas atômicas
e a fome se esbalde num campo de concentração
que mais uma desavisada caia no silicone maligno
uma injeção letal de beleza
e depois, o que dizer de etiquetas de escravidão?
essas crianças tem afinal infância ou não?
tudo por um implante de dentes brancos
tudo e mais um pouco por um sorriso estagnado na televisão

dizem que o livro está morto
então que sou eu
uma morta viva?

ouvindo rumores sobre um aquecimento global
acordei preocupada com a minha condição
humana se possível, ainda
embora em mutação todos estamos
metamorfoseados de nós mesmos em outros lugares

quem sou eu se não a velocidade

me envie uma mensagem assim que chegar
quando eu ler tua mensagem eu saberei
e poderei mandar-lhe a minha, confiando
a mensagem deverá chegar assim que você
tiver mandado a sua, mensagem
e terei certeza que combinamos certo
de nos encontrar depois da mensagem
confirmando
você está onde?

montanhas

nas montanhas ao longe existem fotografias sobre elas
até o pico fotografias, coloridas
podemos notar então, quão lindas são
as fotografias sobre as montanhas

aqui em casa somos três computadores

tenho uma tela diante de mim
mil imagens saltitam
um buque de flores eletrônicas
não morrem e não estão vivas
mas estão todas felizes, essas vidas

mas eu estava falando dos livros
leio e escrevo para o livro ter
mexer e lambuzar páginas

meus pés descalços roçam as pontas da mesa
ferro gelado e depois desço
os dedos nus até o concreto liso
sugando a temperatura do chão chuvoso
delimita seu espaço com água
entrando pela sacada aberta para a cidade
ninfas vindas de uma luz fecunda
ainda que sorrateiras e muito disfarçadas

esse monstro amarrado
que a minha vontade conduz
memória que nunca dorme
criaturas que somos
em vidas transitórias
como os sonhos que sonhamos


clones e avatares se escondem dentro de mim
muitas vezes sou nas redes meu avatar favorito
brotando quase que naturalmente, não fosse a mente
cansada da noite mal dormida na eletricidade
gosto também de visitar meu clone mais ousado
e percebo aquela mulher interessante

navegar a noite toda
em busca de alguma substância excitante
desgraças e felicidades correm soltas
por entre meus dedos divagando no teclado
se você pudesse vir aqui agora
eu deixaria de lado a curiosidade
e todos os hábitos
voaria sem asas e sem internet
nadaria em águas estranhas sem bóias nos braços
sem ancoras nos tornozelos
correríamos os prados, os pomares
entre as macieiras de Avalon
somente eu e você
sacerdotes de um amor brutal, melancólico
vivo
no Yahoo 1:12 min.

mas eu estava falando dos livros
se são pedras nos sapatos
de escritores e seus computadores

desculpa, você falou diferente
a pedra não está no pé
no meu pé
é o livro que está
dentro do meu sapato

escrevo me desculpando pela confusão online
sim admito: estou muito antiga com essas mídias
deveria deixar de lado pensamentos medievais
no entanto
quero folhas quero sujeira

como protesto não respondes
nem no instagram nem no twitter

quero folhas uma a uma
rasgadas e manchadas de vinho

podes me chamar no skype e te explico tudinho

mas eu estava falando dos livros...